Há duas maneiras
de olhar as coisas, como há duas maneiras de as não olhar. Ou se olham
pondo-nos de fora delas ou pondo-nos dentro delas. Só no segundo caso as
vemos bem, porque só então nos vemos mal ou simplesmente nos perdemos a
nós de vista. O primeiro ver é o do homem prático, o segundo, o do
artista. Um e outro também divergem no modo de não ver as coisas. O
primeiro porque simplesmente as não vê; o segundo porque não repara
nelas. Ao contrário do que se supõe, o mundo real não existe para o
homem prático: o que existe é a sua instrumentalização. Uma flor só lhe
existe se a puser na lapela ou mesmo num jarro; como um pássaro só lhe é
real se o tiver numa gaiola ou o comer frito.
Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente 2"
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