sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Minha Arte é Ser Eu

Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista de mais para a pensar em fazer; pensar em faze-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão. 

Muitos crêem coisas falsas ou incompletas de mim; e eu, falando com eles, faço tudo por deixa-los continuar nessa crença. Perante um que me julgue um mero crítico, eu só falo crítica. A princípio fazia isto espontaneamente. Depois decidi que isto era porque, no meu perpétuo anseio de não levantar atritos, (…) 

Fernando Pessoa, 'Inéditos'

Humanismo e Liberalismo


O termo humanismo é infelizmente uma palavra que serve para designar as correntes filosóficas, não somente em dois sentidos, mas em três, quatro, cinco ou seis. Toda a gente é humanista na hora que passa, até mesmo certos marxistas que se descobrem racionalistas clássicos, são humanistas num enfadonho sentido, derivado das ideias liberais do último século, o dum liberalismo refractado através de toda a crise atual. Se os marxistas podem pretender ser humanistas, as diferentes religiões, os cristãos, os hindus, e muitos outros afirmam-se também antes de mais humanistas, como por sua vez o existencialista, e de um modo geral, todas as filosofias. Atualmente muitas correntes políticas se reivindicam igualmente um humanismo. Tudo isso converge para uma espécie de tentativa de restabelecimento duma filosofia que, apesar da sua pretensão, recusa no fundo comprometer-se, e recusa comprometer-se, não somente no ponto de vista político e social, mas também num sentido filosófico profundo. 

Se o cristianismo se pretende antes de tudo humanista, é porque ele não pode comprometer-se, quer dizer participar na luta das forças progressivas, porque se mantém em posições reacionárias frente a esta revolução. Quando os pseudomarxistas ou os liberais se reclamam da pessoa antes do mais, é porque eles recuam diante das exigências da situação presente no mundo. Do mesmo modo o existencialista, como liberal, reivindica para si o homem em geral, porque não chega a formular uma posição exigida pelos acontecimentos, e a única posição progressiva que conhecemos é a do marxismo. É o marxismo que põe os verdadeiros problemas da época. 

Vergílio Ferreira, in 'O Existencialismo é um Humanismo' 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Globalização é uma Nova Forma de Totalistarismo



A globalização econômica é compatível com os direitos humanos? Temos de fazer esta pergunta a nós próprios e ver que a resposta é que ou há globalização ou há direitos, por mais que os poderes tenham a hipocrisia de dizer que a globalização favorece os direitos humanos, quando o que faz é fabricar excluídos. A globalização é simplesmente uma nova forma de totalitarismo que não tem de chegar sempre com uma camisa azul, castanha ou negra e com o braço erguido; tem muitas caras e a globalização é uma delas. Devíamos voltar a Marx e a Engels para reverter a situação, ainda que seja pouco menos que politicamente incorreto referimo-nos a estes cadáveres da história quando a ideologia parece que morreu. 

José Saramago, in 'Turia (2001)'

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O tempo livre industrializado




RENATO NUNES BITTENCOURT É DOUTOR EM FILOSOFIA PELO PPGF-UFRJ, PROFESSOR DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA FACULDADE CCAA, DA FACULDADE DE FLAMA E DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DO COLÉGIO PEDRO II. TAMBÉM É MEMBRO DO GRUPO DE PESQUISA SPINOZA E NIETZSCHE
A cultura ocidental tradicionalmente estigmatizou o trabalho como uma atividade degradante para o ser humano, considerando-a indigna de homens livres. Nessa conjuntura, o trabalho era imputado como uma tortura; aliás, a análise etimológica da palavra trabalho indica que esta se origina do termo latino tripalium, um instrumento de suplício. Todavia, essa perspectiva negativa em relação ao trabalho só encontra signi cação na estrutura laboral regida pela relação de dominação entre senhor e submisso, sendo incompatível com a experiência de trabalho na qual o ser humano adquire a capacidade de se realizar existencialmente. Por conseguinte, o materialismo dialético de Marx (1818-1883) explica com precisão esse processo: “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu próprio câmbio material como uma de suas funções. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeças e mãos – a m de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modi ficando-a, ao mesmo tempo modi ca sua própria natureza”¹.
Entretanto, as relações sociais de trabalho se caracterizaram historicamente pela desapropriação dos meios de produção das mãos daquele que representava efetivamente o processo construtivo de criação, o trabalhador, que se encontrou na necessidade de vender sua força de trabalho ao detentor dos meios de produção que, arbitrariamente, estabeleceu uma relação injusta na distribuição das riquezas para com seu subordinado, justi ficando os contundentes versos da Internacional Socialista: “Abomináveis na grandeza/ Os reis da mina e da fornalha/ Edi caram a riqueza/ Sobre o suor de quem trabalha/ Todo o produto de quem sua/ A corja rica o recolheu/ Querendo que ela o restitua/ O povo só quer o que é seu”.

IMAGEM: SHUTTERSTOCKHOJE, O EMPREGO EXIGE A DILUIÇÃO DAS FRONTEIRAS ENTRE VIDA PARA O TRABALHO E O TEMPO DOMICILIAR, CRIANDO-SE ASSIM INDIVÍDUOS DEDICADOS EXAUSTIVAMENTE À EMPRESA

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Para Marx (1818-1883), a valorização do mundo das coisas torna proporcionalmente inversa a valorização do homem, que torna-se mais pobre quanto mais riquezas produz
No advento da modernidade, não obs tante o seu propalado progresso científico, ao invés de ocorrer efetivamente a superação dessas contradições sociais, elas se ampliaram. O desenvolvimento da tecnologia capitalista conduziu ao paulatino decréscimo da capacidade do trabalhador se realizar como ser humano em suas atividades laborais, reconhecendo-se naquilo que ele faz em sua jornada. A divisão técnica da produção e a sua crescente mecanização geram na subjetividade do trabalhador uma contínua repulsa pelo seu objeto pro ssional, tornando sua atividade maçante, incapaz de lhe proporcionar genuína satisfação existencial. O trabalho regido pela ordem capitalista em sua frieza tecnocrática se torna apenas um recurso para que o sujeito possa obter o ganho mínimo para a manutenção de sua existência, em verdade, uma subvida. O filósofo Paul Lafargue (1842-1911) considera que “à medida que a máquina se aperfeiçoa e dispersa o trabalho do homem com uma rapidez e uma perfeição que não param de crescer, o operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra seu esforço, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e mortal!”².
VIDA PARA O TRABALHOO preço a ser pago pela manutenção de um razoável padrão de vida na sociedade plutocrática é certamente doloroso: o empreendedorismo capitalista exige a progressiva diluição das fronteiras entre a vida dedicada ao trabalho e o tempo domiciliar, criando-se assim os indivíduos conhecidos em nossa estrutura administrativa como workaholics, dedicados exaustivamente pela causa de sua empresa, que se torna a sanguessuga da vitalidade humana, descartando o indivíduo tão logo ele é imputado como desnecessário pelos mandatários financeiros. Para o filósofo alemão Robert Kurz (1943-2012), “a submissão do conteúdo sensível do trabalho e das necessidades à autorreflexão cega do dinheiro é de caráter monstruoso. Essa monstruosidade manifesta-se, durante a evolução da modernidade, em escala historicamente crescente, nas crises em que enormes quantidades de recursos humanos e materiais caram paralisadas por não poderem mais cumprir, por motivos incompreensíveis, aquela nalidade absoluta de transformar trabalho vivo em dinheiro”³.

Ócio criativo: estudo, trabalho e tempo livre
“Na Atenas de Péricles havia quase mais feriado que dias úteis”, afirma o sociólogo italiano Domenico de Masi em sua obra ¹. Nela, de Masi explica detalhadamente todas as celebrações, cultos e concursos líricos e musicais daquela civilização grega antiga. Mas completa: “Tratava-se de uma reflexão alegre e coral, de cujo húmus se originou uma das maiores civilizações dos últimos tempos. Tratava-se do ócio elevado à condição de arte”. No seu estudo sobre o Ócio Criativo, de Masi diz que a sociedade pós-industrial precisa buscar três elementos para alcançar tal condição: comércio, estudo e raciocínio lógico. Assim, segundo ele, para a atividade criativa, estudo, trabalho e tempo livre precisam se confundir. “...o homem, tendo transferido às máquinas o trabalho cansativo, enfadonho, nocivo e banal, poderá se dar ao luxo de atividades criativas em que estudo, trabalho e tempo livre finalmente conviverão”.
O que ocorre hoje, no entanto, é que os trabalhadores, em raros momentos de descanso, o desfrutam carregado de culpa, quando, até por essa culpa, não levam trabalho para a casa nos finais de semana e períodos que não estão na empresa ou no escritório. As férias e períodos de feriado para os trabalhadores da sociedade pós-moderna, segundo de Masi, representam uma “improdutividade ocupacional” ao qual os trabalhadores são forçados.
¹De Masi, Domenico. O futuro do trabalho. José Olympio Editora

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Considerado antigamente como uma atividade de suplício e degradante, o trabalho poderia ser uma atividade para o homem se realizar existencialmente. Mas não é o que acontece na lógica capitalista moderna
O metabolismo e a vida interior do sujeito são anulados pelo sucesso econômico da empresa, que prospera de maneira inversamente proporcional na medida em que declina a existência do trabalhador, reduzido a uma condição de mera coisa, completamente desumanizado, gerando assim a rei ficação da consciência. Conforme argumenta Marx, “o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. Esse fato nada mais exprime, senão: o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produtor”4.
Nesse ponto da argumentação, podemos fazer uma ousada relação entre os mecanismos capitalistas de dominação das forças produtivas do trabalhador e os paradigmas da sociedade disciplinar conforme as análises de Michel Foucault (1926-1984): a vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem do poder disciplinar. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminuem essas mesmas forças em termos políticos de obediência5. Nessas condições, a sociedade disciplinar encontra seu análogo capitalista na fragmentação do trabalho, ao proporcionar a educação dos corpos dos operários submetidos ao regime maquinal da divisão cientí ca da linha de produção que impõe a especialização máxima do mínimo.
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Os trabalhadores são obrigados a vender a sua força de trabalho e ficam à mercê da exploração dos detentores dos meios de produção, em uma distribuição de riquezas injusta
Para que ocorra essa organização laboral que desagrega a vitalidade criadora do trabalhador, fazem-se necessários o disciplinamento da sua força produtiva e a coerção moral, econômica e mesmo física. Tais aparatos normativos se sustentam porque nenhum trabalhador livre aceitaria o fato de laborar além do necessário para a manutenção saudável de sua vida; nenhum trabalhador livre aceitaria condições penosas e aviltantes no processo produtivo como é constatado na civilização capitalista, destituído de sentido existencial em uma realidade humanamente diluída, alienada de suas próprias forças vitais. O filósofo austro-francês André Gorz (1923- 2007) afirma ironicamente: “Acolherei as inovações técnicas que aumentam o rendimento de meu trabalho mesmo se elas o tecnizam, submetem-no a rígidos imperativos, fazem-no assemelhar-se a um trabalho rude. Aliás, não tenho escolha: se não acompanhar a evolução das técnicas (ou adaptar-me a elas), logo mais não poderei viver da venda de meus produtos: não serei mais competitivo”6. Percebe-se, assim, que o primeiro momento desse processo é sempre a subjugação, na sequência transformada em subordinação, até chegar a uma situação de consentimento, isto é, de naturalização da divisão social do trabalho na estruturação social hierarquizada e, por fim, do entendimento alienado de que a sociedade assim organizada é a única sociedade possível de acontecer. Herbert Marcuse (1898-1979) considera que “hoje, a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas como tecnologia, e esta garante a grande legitimação do crescente poder político que absorve todas as esferas da Cultura. Nesse universo, a tecnologia também garante a grande racionalização da não liberdade do homem e demonstra a impossibilidade ‘técnica’ de a criatura ser autônoma, de determinar a sua própria vida”7.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O amor filosófico e o puro prazer


Segundo Platão, o amor é a busca da beleza, da elevação em todos os níveis, o que não exclui a dimensão do corpo. No entanto, será que essa concepção ainda faz sentido em tempos de exagerado culto à coisificação do prazer?


Conforme Platão (427 a.C. - 347 a.C.), o amor é a busca da beleza. Embora tenha início da realidade física, deve alcançar a sua forma universal, não permanecendo prisioneiro da matéria. É lugarcomum confundir o amor platônico com o amor não correspondido ou desprovido de interesse sexual. Na realidade, o filósofo não exclui o amor carnal, porém o vê como um primeiro degrau que pode levar a outros mais elevados.Parece estranho e contraditório falar do amor filosófico em uma época desapaixonada, como esta em que vivemos. Na verdade, esta nossa época carece tanto de sentimento quanto de razão, pois ela pretende ser apenas a encarnação de um tempo hedonista, extravagante, dominado pelos sentidos.
 Agáton
Poeta ateniense, Agáton (447 a.C.- 401 a.C.) aparece em obras de Aristóteles (Anteu), Aristófanes (As Convocadas) e Platão (O Banquete).
As várias faces de Eros revelamse nos discursos que ilustram O Banquete, obraprima da literatura ocidental. O livro narra um encontro em casa do poeta  Agáton, do qual tomam parte Sócrates, Fedro, Alcebíades e outras figuras atenienses. O encontro tem como objetivo comemorar a premiação de uma peça teatral do anfitrião, e os presentes escolheram Eros como tema inspirador dos discursos da noite.
No prólogo do livro, utilizandose de um artifício literário, o narrador esclarece que não tomou parte, propriamente, daqueles acontecimentos, mas ouviu detalhes da sua história em colóquio com outro personagem. Após os convivas concordarem que deviam beber com moderação, pois haviam se excedido na noite anterior, dáse então início aos discursos sobre o amor.
No relato de Pausânias aparecem duas formas de amor, geradas por Afrodite, deusa grega da fecundidade e da beleza. Afrodite tem dupla face, ou, de acordo com os estudiosos da mitologia, são duas Afrodites: a Celestial, filha de Urano; e a Popular, filha de Zeus e Dione.
 Aristófanes
Embora tenhamos poucas informações sobre a vida do dramaturgo Aristófanes (448/447 a.C. - 385-380 a.C.), sabe-se que ele foi um grande mestre da comédia antiga, autor de diversas peças com sátiras políticas e sociais, sendo uma de suas mais conhecidas Assembleia de Mulheres.
 Diotima de Mantineia
Escreve Zygmunt Bauman no livro Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos (Zahar, 2004, pg. 21): "No Banquete de Platão, a profetisa Diotima de Mantineia ressaltou para Sócrates, com a sincera aprovação deste, que 'o amor não se dirige ao belo, como você pensa: dirige-se à geração e ao nascimento do belo'. (...) Em outras palavras, não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é, enfim, à transcendência".
 Aristófanes,personagem conhecido entre os atenienses pela sua dramaturgia, defende que o amor é a busca da outra metade que se perdeu por castigo dos deuses. Havia no mundo três tipos de seres humanos: um formado só de duplos elementos masculinos, outro só de duplos femininos e por último um misto de elementos masculino e feminino. Esta era uma figura andrógina. Os seres duplos transgrediram a ordenação dos deuses e foram divididos ao meio. Por isso, o amor é a busca da outra metade que se perdera, o que revela a incompletude humana.
Como acontece em outras narrativas platônicas, Sócrates surge como o personagem que realiza a síntese das ideias e sentimentos do autor. N'O banquete ele inspira-se em  Diotima de Mantineia , sacerdotisa do amor, para ilustrar o seu discurso. Não se sabe ao certo se ela é uma criação de Platão ou personagem da mitologia, mas deste entrelaçamento surgem as mais belas páginas da literatura grega.
Eros é aí descrito como um daimon, intermediário entre os homens e as coisas divinas. "Ao gênio cabe interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses; de uns, as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos, ele os completa, de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. (...) E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor."

RUMO AO AMOR ESSENCIAL
Na escalada rumo ao amor essencial, outros estágios se fazem necessários. Do amor às formas físicas belas à própria beleza, independente da forma. Há ainda o amor ao conhecimento e às boas práticas, o que pode ser interpretado como uma adesão aos princípios éticos. A sacerdotisa Diotima associa o amor à imortalidade e afirma, no diálogo com Sócrates, que o amor é o "desejo de procriação no belo".

Apesar da visão fulgurante contida nessa narrativa, o idealismo platônico deprecia o corpo e o mundo real. Ele concebe os seres humanos como se estes fossem anjos caídos em um mundo degradado.
A dívida da Filosofia para com Sócrates/ Platão é enorme. Para Sócrates, especialmente, o diálogo levava ao conhecimento da verdade. Ele contava com um método próprio para analisar os variados assuntos que lhe eram apresentados: adialética (arte do diálogo), que se juntava a outro artifício intelectual criado por ele, amaiêutica (parto das ideias).

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Vivemos Para os Momentos Futuros, e Não o Presente



A ânsia de matar tempo, de liquidar o espaço de dias entre um acontecimento e o que lhe sucede, transmite, tanto em casos de amor como em outros, fins importantes, um estado de alma que se preocupa exclusivamente em atingir esse alvo previamente estabelecido. Não se pensa em mais nada. Semelhante à situação criada quando se sabe de antemão que se vai encontrar determinada pessoa que nos interessa muito. Fica-se incapaz de articular palavra, de estreitar vínculo com quem quer que seja que se nos atravesse no caminho. Está-se a viver em outrem, num estado fora da relação humana do dia a dia. Nem sequer ouvimos os sons, arrepiamos a pele ao tomar conhecimento consciente de notícias que já sabíamos de antemão pertencerem ao domínio público. Esta é também a ânsia do suicida que nada mais faz entre a decisão de cometer o homicídio e a prática do ato extremo. 

Ruben A., in "O Mundo À Minha Procura I"

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

NEGAIVISMO


Em linhas gerais, negativismo é a oposição ativa ou passiva às solicitações externas.
Na passiva a pessoa simplesmente deixa de fazer o que se pede sendo característico o mutismo e a sitiofobia (medo de se comprometer, de ser internado, de ser envenenado).
Na ativa, a pessoa faz tudo ao contrário do que se pediu, e as vezes quando desistimos eles o fazem sendo isso a "reação de última momento". O negativismo verbal pode se apresentar na forma das pararespostas (ou seja, o paciente entende a pergunta do entrevistador, porém não responde algo compatível com a pergunta, e sim algo "ao lado", ou próximo). O negativismo faz parte da série catatônica e representa ação imotivada e não deliberada.
Ícone de esboçoEste artigo sobre filosofia  é um esboço

Vencer o Medo



Parecemos estar hoje animados quase exclusivamente pelo medo. Receamos até aquilo que é bom, aquilo que é saudável, aquilo que é alegre. E o que é o herói? Antes de mais, alguém que venceu os seus medos. É possível ser-se herói em qualquer campo; nunca deixamos de reconhecer um herói quando este aparece. A sua virtude singular é o facto de ele ser um só com a vida, um só consigo próprio. Tendo deixado de duvidar e de interrogar, acelera o curso e o ritmo da vida. O cobarde, par contre, procura deter o fluxo da vida. E claro que não detém nada, a menos que se detenha a si próprio. A vida continua sempre a avançar, quer nos portemos como cobardes, quer nos portemos como heróis. A vida não impõe outra disciplina - se ao menos o soubéssemos compreender! - para além de a aceitarmos tal como é. Tudo aquilo a que fechamos os olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, acaba por contribuir para nos derrotar. O que nos parece sórdido, doloroso, mau, poderá tornar-se numa fonte de beleza, alegria e força, se o enfrentarmos com largueza de espírito. Todos os momentos são momentos de ouro para os que têm a capacidade de os ver como tais. A vida é agora, são todos os momentos, mesmo que o mundo esteja cheio de morte. A morte só triunfa ao serviço da vida. 

Henry Miller, in "O Mundo do Sexo"

A Tirania do Medo


O nosso mundo vive demasiado sob a tirania do medo e insistir em mostrar-lhe os perigos que o ameaçam só pode conduzi-lo à apatia da desesperança. O contrário é que é preciso: criar motivos racionais de esperança, razões positivas de viver. Precisamos mais de sentimentos afirmativos do que de negativos. Se os afirmativos tomarem toda a amplitude que justifique um exame estritamente objectivo da nossa situação, os negativos desagregar-se-ão, perdendo a sua razão de ser. Mas se insistirmos em demasia nos negativos, nunca sairemos do desespero. 

Bertrand Russell, in 'A Última Oportunidade do Homem'

domingo, 11 de agosto de 2013

O PODER




 
 Considerando que o poder visa sempre ao estabelecimento de uma ordem, é necessário, então, um agente que a imponha. Poder é, portanto, tudo aquilo capaz de manter uma ordem, significando o modo como as coisas devam se apresentar. Assim, toda ordem representa poder ou ação de um agente.
   Considerando, ainda, que todo ser é um agente, todo ser, então, gera ordem, e, como tudo aquilo que gera ordem representa poder, todo ser possui, aliás, não só um, mas vários tipos de poder.
   É evidente a capacidade que as coisas têm de impor ou manter algum tipo de ordem, o que me faz concordar com o filósofo Michel Foucault quando diz que o poder está em toda parte, logicamente, porque o ser também está. Não é difícil constatar que todo ser, por si só, gera algum efeito, uma ação, seja ele concreto ou abstrato, como: mesa, beleza, feiúra, homem, pombo, etc.
   Uma bela mulher, certamente entende que a beleza produz poder, e também, que a posse dela só funcionará se agir para mantê-la, assim, precisa cuidar-se. Sabe que uma espinha ou um cabelo mal cortado pode comprometer sua estética. Para isso, deve adotar procedimentos que possibilitem, no mínimo, preservar o que a natureza estabeleceu para o seu rosto e o seu corpo.
   O matemático e filósofo Bertrand Russel define poder como a posse dos meios que leva à produção de efeitos desejados. Porém, digamos que um poderoso general queira ganhar uma determinada batalha por achar que tem os meios necessários, inclusive, maiores que do adversário. A posse desses meios garantirá a ele os efeitos desejados: o domínio do inimigo? Teria poder suficiente para concretizar o pretendido?
   Certamente que não - o adversário, embora em aparente desvantagem, pode ter maior capacidade de ação, e ação não é posse, mas sim capacidade de movimento, energia, algo interno e não externo.
   Diria ainda, que poder é tudo. É como um deus, pois, tem a capacidade de impor e sustentar uma ordem visando sempre assegurar a existência de algo. É potência em ação representada por um agente.
   A posse de qualquer coisa, inclusive de algum tipo especial de atributo, apenas viabiliza a ação necessária à manutenção de uma determinada ordem. A posse de uma faca, por exemplo, não significa poder ou uma ação de corte bem-sucedida se estiver cega. A ordem a ser estabelecida, como a de ver um determinado objeto dividido em partes pode não se concretizar – ele pode ser bastante resistente para tal. Então, o poder estaria, não na posse da faca, mas sim na capacidade de corte dela, em que a condição ou regra é de que esteja amolada, tornando-se assim necessária uma ação nesse sentido para viabilizar o poder de corte e estabelecer a ordem desejada.
   Entendendo ordem como critérios adotados à formação de algo, definiria agente como tudo aquilo que tem a capacidade de estabelecer critérios para a formação de alguma ordem, utilizando-se, de atributos próprios ou não, capazes de produzi-la. Assim, toda ordem provém de procedimentos, normas, regras ou leis naturais, mentais ou espirituais, originárias e impostas por algum agente. Reflete-se no mundo material,visando assegurar a existência das coisas, seja do mundo material, mental ou espiritual dos quais fazemos parte.
   Portanto, poder é estabelecimento de ordem via ação de um agente.

A Dificuldade do Poder Obtido sem Esforço


 Aqueles que, só pela mão da fortuna, de vulgares cidadãos se tornam príncipes alcançam o mando com pouca fadiga, mas só com muito esforço o conseguem manter. Não experimentam dificuldades na caminhada para o poder, parecendo que para lá vão voando. As dificuldades surgem depois de serem entronizados. É o que sucede com aqueles a quem é dado um estado a troco de dinheiro ou por graça de quem o concede (...) Os que assim sobem à condição de príncipe ficam dependentes da vontade e da fortuna de quem lhes proporcionou o trono, que são duas coisas assaz volúveis e instáveis, não sabendo nem podendo garantir a sua conservação. Não sabem - porque, a menos que seja um homem de grande habilidade e virtude, não é razoável que, tendo sempre vivido como vulgar cidadão, saiba comandar; não podem - porque não dispõem de forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Além disto, os estados que surgem de repente, como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem rapidamente, não desenvolvem as raízes, o tronco e os ramos, sendo destruídos pelo primeiro temporal. Isto, a menos que aqueles que, como eu disse, de repente se tornaram príncipes possuam tanta virtude como a fortuna que tiveram quando o estado lhes caiu no regaço e saibam, rapidamente, preparar-se para o conservar. E aqueles pressupostos que outros preencheram antes de se tornarem príncipes sejam por eles reunidos posteriormente. 

Nicolo Maquiavel, in 'O Príncipe'

domingo, 4 de agosto de 2013

Aprender a Ver

Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo filosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o fato pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objectividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence. 


Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O MESTRE


Que o “Mestre dos Mestres” lhe ensine que nas falhas e lágrimas se esculpe a sabedoria.
Que o “Mestre da Sensibilidade” lhe ensine a contemplar as coisas simples e a navegar nas águas da emoção.
Que o “Mestre da Vida” lhe ensine a não ter medo de viver e a superar os momentos mais difíceis da sua história.
Que o “Mestre do Amor” lhe ensine que a vida é o maior espetáculo no teatro da existência.
Que o “Mestre Inesquecível” lhe ensine que os fracos julgam e desistem, enquanto os fortes compreendem e têm esperança.
Não somos perfeitos. Decepções, frustrações e perdas sempre acontecerão.
Mas Deus é o artesão do espírito e da alma humana. Não tenha medo.
Depois da mais longa noite surgirá o mais belo amanhecer.
Espere-o.

O SILÊNCIO DA SABEDORIA


Nós vivemos em um universo que é, ao mesmo tempo, gigantesco o suficiente para nos envolver e pequeno o bastante para caber em nosso coração. Na alma do homem está a alma do mundo, o silêncio da sabedoria.

Tudo em nós funciona perfeitamente bem e em harmonia com a natureza. O que há de bonito no dia de hoje?

Procure reparar, porque esta é a melhor imagem de você mesmo. Deus está em nosso cotidiano, espera que notemos Sua presença. Toda manhã, Deus nos mostra o Seu sorriso.

As nuvens que estão ocupando, neste momento, o céu de sua alma vão passar. O sol, que às vezes se esconde por detrás das nuvens, não passa nunca.

A Procura da Sabedoria



Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam «é por ali» ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado. 

Ana Hatherly, in 'Tisanas'