quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O Príncipe e o Povo

"...a um príncipe é preciso ter o povo como amigo, pois, de outro modo, não terá possibilidades na adversidade." ( "Príncipe", cap. IX)

Um principado também pode ser constituído pelo povo( uma democracia) ou pelos grandes (uma oligarquia). O povo procura escolher para dirigi-lo um príncipe da sua estima que cuide em não oprimi-lo e impeça com sua autoridade que os grandes o façam. O objetivo do povo é sempre mais honesto do que o dos grandes, ele apenas não deseja ser espoliado ou humilhado pelos ricaços e demais poderosos. Além do mais parece ser mais fácil para um príncipe conviver com a hostilidade dos grandes, porque são poucos, do que ter contra si o povo inteiro.
Seja como for escolhido, pela gente comum ou pelos fidalgos, o príncipe sempre tem que ter em mente garantir a amizade do povo, ganhando-o para si, bastando para tanto adotar medidas de proteção dos seus cidadãos. Entre outras razões, isto é importante porque é a amizade do povo, e somente ela, é que poderá garanti-lo em caso de adversidade. Se o líder se mantêm ativo, com coragem, sustentado sua posições com bravura, o povo o acompanhará.
É certo que o inimigo sempre hesitará em atacar uma cidade, tendo que submetê-la a sitio por um bom tempo, se a população que a habita é fiel e quer bem ao seu governante. Mais tarde ou mais cedo ele se verá obrigado a recuar, batendo em retirada com vergonha. Todavia, é bom levar em conta que se são muitos os que se oferecem para tudo no tempo de paz, quando os ventos da guerra começam a soprar e o cheiro da morte atinge os muros da cidade, certamente bem poucos serão então encontrados.

O Príncipe e o Exército
"Os principais fundamentos que o Estado têm, tanto os novos como os antigos ou misto, são as boas leis e as boas armas"("O Príncipe", cap. XII)
Era costume naqueles tempos as cidades ou reinos italianos recorrerem às tropas de aluguel. Para tanto, contratavam um condottiere (um condutor de homens), um chefe mercenário, igualmente chamado como capitano di ventura, capitão-de-aventuras, que trazia consigo, devido a sua fama de valentão, um bando de homens armados sujeito às suas ordens, cujos serviços ele colocava à disposição.



O Condottiere ( Paolo Ucello)
Maquiavel os considerava uma desgraça para o estado, pois eram destituídos de qualquer espírito cívico e não tinha nenhuma identificação com a bandeira que abraçavam. Eram tropas "desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis... vis entre os inimigos", queriam o soldo quando impera a paz, mas fugiam quando o perigo de verdade se aproxima.
Evidentemente que ele tinha em mente como exemplo de excelência o corpo de legionários do tempo da antiga Roma, formado pelo sal da terra do Lácio, homens que lutavam com ardor patriótico e que ergueram bem alto, na glória, as águias imperiais. Para ele foi a recorrência às armas mercenárias que colocaram a Itália a perder.
Ainda que os soldados assalariados combatessem nas pequenas guerras travadas entres as cidades, havia muito de simulação. Um condottiereencenava cercar uma cidade enquanto um outro, ao serviço dos sitiados, não atacava-lhe o acampamento. Por vezes, tudo não passava de um faz-de-conta patrocinado pelo infeliz contratante.
Havia ainda um outro agravante em se manter na dependência dos soldados da fortuna. Se o patrão deles era derrotado, voltavam-se contra ele e terminavam por saquear a cidade que juraram defender. Se fosse vitorioso, acabava prisioneiro deles, pois os louros haviam sido alcançados pelo chefe dos aventureiros e não por seu empregador.
Esta é uma das razões do príncipe dever estar sempre com a cabeça voltada para a guerra. Necessita praticar a caça como exercício ao tempo em que a usa como momento para o estudo da geografia local a fim de melhor conhecer o país, suas defesas naturais e suas deficiências mais gritantes. O domínio da topografia é um meio caminho para o bom sucesso das armas, seguido de leituras da história para estudar como os grandes se comportavam nas batalhas, examinando as causas das vitórias e das derrotas deles.
Quando os valentes exércitos estrangeiros assaltaram o país, quando Carlos VIII, rei da França, atacou a Itália, em 1494, foi um salve-se quem puder, um fiasco completo. Os bandos mercenários se puseram a correr.
Além disso, um comandante de aluguel sempre é um perigo ás instituições. Se tiver alguma qualidade ele inevitavelmente desejará algum dia vir a tomar o poder, abatendo o patrão e usurpando-lhe o principado, como se deu em várias oportunidades da história recente do país. Tudo isso contribuiu para que a Itália se visse "percorrida por Carlos VIII, saqueada por Luís XII (ambos reis da França), violentada por Fernando (rei da Espanha) e desonrada pelos suíços", que a reduziram "à escravidão e à desonra".
Os estados verdadeiramente livres (*) só se mantém assim tendo suas próprias tropas, contando com sua gente, apelando para os seus, formando os quadros de oficiais junto aos seus cidadãos e nunca confiando numa espada de aluguel. E quem tem boas armas, tem sempre ao seu lado bons amigos.
Enquanto a Itália não resolvesse esse problema dificilmente ela poderia se livrar do jugo dos bárbaros (isto é, dos reis estrangeiros que a assaltavam).

(*) Entenda-se que o termo "liberdade" daquela época estava circunscrito ao direito reclamado pelas cidades-republicanas de se verem livres da ingerência externa bem como a independência política quanto ao autogoverno republicano. O direito que elas tinham de ter o governo que melhor entendessem (Q.Skinner – Os Fundações do Pensamento Político Moderno, vol I, S.P., 1996).

O Príncipe e seus Dilemas
[ a doutrina do maquiavelismo]
"...é necessário ,a um príncipe que queira se manter , aprender o poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade." ( "O Príncipe", cap. XV)

Deve um príncipe ser liberal ou contido? Mão aberta ou sovina? O perigo do príncipe mostrar-se liberal é que ele termina por esbanjar dinheiro, o que conduz ao aumento dos impostos e taxas. Por vezes, o que por primeiro se apresenta como a política mais simpática, acaba se revertendo em prejuízo. É melhor, pois, gastar pouco para não ter que assaltar o bolso dos súditos. Um governante pródigo só se sustenta se dissipar o dinheiro dos outros, dos inimigos. É mais sábio levar a fama de miserável, de sovina, do que incorrer no pecado de ser dilapidador dos recursos públicos.
O mesmo ocorre quando ele se mostra indeciso em ser amado ou temido. Neste ponto Maquiavel é categórico: é melhor levar a fama de cruel e manter os súditos unidos, do que ser um governante piedoso que deixa a desordem imperar no seu sitio. Ele não tem duvida em assegurar que - se o príncipe não consegue ser amado e temido ao mesmo tempo - o melhor e mais seguro é ser temido. E isso se deve a natureza dos homens em geral: todos estão ao lado do governante quando sopram ares bons e as coisas navegam a contento. Basta, todavia, uma mudança do quadro, para todos se revoltarem. Pobre do príncipe que acredita nas palavras do povo! Logo, em tempos sombrios, todas as juras são esquecidas, todos os votos sagrados rompidos, e o príncipe se vê acuado. Somente o temor a ele o mantém, porque "o receio de castigo jamais se abandona".
A conseqüência deste seu raciocínio é que um soberano bom, íntegro, honesto, mantenedor da palavra, necessariamente não significa que ele será um bom governante. Bem ao contrário, uma tolerância excessiva, a negativa em empregar a violência, poderá fazer periclitar o estado, risco que um príncipe rude e perverso jamais incorre.
O que se deve evitar acima de tudo é atrair o ódio. E isso o príncipe consegue não expropriando os bens alheios nem ofendendo a honra dos súditos, visto que "os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio". Qualquer um tolera melhor que lhe matem um parente seu do que lhe roubem o patrimônio.
Igual conselho se aplica à palavra dada, visto que o príncipe só deve sustentar uma promessa, mantendo o que disse ou confirmando sua assinatura ou jura, se for necessário aos interesses gerais do seu governo. Passado o motivo que o forçou a tomar aquele compromisso, geralmente num momento de perigo, o melhor a fazer é esquecer tudo.
A obrigação maior dele é vencer e manter o estado, não importando os meios utilizados para tanto: os meios justificam os fins. Se ele tiver sucesso nisso sempre será louvado e honrado por todos, porque o que importa é a aparência e o resultado final da sua política e não os pecados que incorreu ou os métodos de que ele se socorreu para mantê-la.
Deve, sim, cultivar a ferocidade de um leão e a astúcia de uma raposa (Leone i Volpe), ao tempo em que procura engrandecer-se frente ao seu povo por meio de grandes feitos, arrancando-lhe admiração com exemplos de ousadia, ainda que incorra em "piedosa crueldade".
Nestas condições, o príncipe deve temer conspirações? Ora se o povo, mantido contente e satisfeito, lhe é benévolo, dificilmente uma cabala de inimigos prospera. Se agrada a gente miúda e não desgosta os grandes, poucas coisas o perderão.

Dilemas do Príncipe - Deve ser liberal ou contido?

Conselhos de Maquiavel - É perigoso ser liberal. Ser gastador significa aumentar os impostos do povo, o que gera descontentamento. Melhor a fama de sovina do que a de pródigo.

Dilemas do Príncipe - Ser amado ou temido?

Conselhos de Maquiavel - Na impossibilidade de ser ambas as coisas, é melhor ser temido, pois é o medo do castigo quem mantém o povo quieto.

Dilemas do Príncipe - Deve ou não sustentar a palavra dada?

Conselhos de Maquiavel - Se uma promessa resulta em algo incômodo aos interesses do estado, é melhor esquecer o que se jurou cumprir.

Dilemas do Príncipe - Deve ou não temer uma conspiração?

Conselhos de Maquiavel - Somente se for odiado pelo povo e cair em desgraça junto aos poderosos da cidade.


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