Sou um visual. O
que na memória trago, trago-o visualmente, se susceptível é de assim ser
trazido. Mesmo ao querer evocar em mim uma qualquer voz, um perfume
qualquer, não evito que antes que ela ou ele me vislumbre no horizonte
do espírito, me apareça à visão rememorativa a pessoa que fala, a coisa
donde o perfume partiu. Não dou isto por absolutamente certo; pode ser
que, radicada em mim de vez a persuasão de que sou um visual, no lugar
final do sofisma que é a escuridão íntima do ser me fosse desde então
impossível evitar que a ideia de que sou um visual não levantasse
imediatamente uma imagem falsamente inspiradora. Seja como for, o menos
que sou, é um visual predominantemente. Vejo, e vendo, vivo.
Fernando Pessoa, 'Inéditos'
Fernando Pessoa, 'Inéditos'
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