terça-feira, 25 de agosto de 2015

Convicções



Ainda somos, no essencial, os mesmos homens da época da Reforma: como poderia ser diferente? Mas o fato de já não no permitirmos certos meios de contribuir para a vitória de nossa opiniões nos diferencia daquele tempo, e prova que pertencemos a uma cultura superior. Quem ainda hoje combate e derruba opiniões com suspeitas, com acessos de raiva, como se fazia durante a Reforma, revela claramente que teria queimado o seus rivais, se tivesse vivido em outros tempos, e que teria recorrido a todos os meios da Inquisição, se tivesse vivido como adversário da Reforma. Essa Inquisição era razoável na época pois não significava outra coisa senão o estado de sítio que teve de ser proclamado em todo o domínio da Igreja, que, como todo estado de sítio, autorizava os meios mais extremos, com base no pressuposto (que já não partilhamos com aqueles homens) de que a Igreja tinha a verdade, e de que era preciso conservá-la para a salvação da humanidade, a todo custo e com todo sacrifício. Hoje em dia, porém, já não admitimos tão facilmente que alguém possua a verdade: os rigorosos métodos de investigação propagaram desconfiança e cautela bastantes, de modo que todo aquele que defende opiniões com palavras e atos violentos é visto como um inimigo de nossa presente cultura ou, no mínimo, como um atrasado. Realmente: o pathos de possuir a verdade vale hoje bem pouco em relação àquele outro, mais suave e nada altissonante, da busca da verdade, que nunca se cansa de reaprender e reexaminar. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 303, Aforismo 633, ano 2001, São Paulo).



Por Marcio Filósofo

Nenhum comentário:

Postar um comentário