Em dezembro de 1530, partiu de Lisboa
uma esquadra que mudaria a história das terras conquistadas pelos
portugueses na América. Seu comandante era Martim Afonso de Sousa, que, à
frente de quatrocentos homens, deu início à ocupação efetiva do
território brasileiro.
A ocupação: primeiras providências
Uma das razões pelas quais o governo
de Portugal decidiu colonizar as novas terras, a partir de 1530, foi o
fato de que na Europa e no Oriente a situação não era mais tão favorável
para os portugueses. Os holandeses também haviam entrado no comércio de
especiarias das Índias, concorrência que provocava a queda nos preços
dos produtos.
Assim, para os portugueses, já não
compensava investir em viagens longas e custosas para buscá-los nas
Índias e vendê-los a preços pouco atraentes na Europa. Além disso, os
franceses faziam constantes incursões ao litoral das novas terras para
extrair pau-brasil. Entretanto, uma razão mais forte atraía as atenções
da Coroa portuguesa para o Novo Mundo: a notícia de que na América
Espanhola havia grandes jazidas de ouro e prata.
Martim Afonso de Sousa na colônia
Martim Afonso de Sousa recebeu do
governo português ordens para combater os navios franceses, explorar o
rio da Prata (segundo alguns, via de acesso a um reino cheio de
riquezas) e criar núcleos de povoamento nas novas terras. Para isso,
dispunha de poderes tais como o de distribuir sesmarias (grandes
propriedades rurais), de nomear tabeliães e de estabelecer um sistema
administrativo no novo território.
Martim Afonso percorreu o litoral até
chegar à região do rio da Prata, navegando rumo ao norte. Aportou no
litoral do atual estado de São Paulo, onde fundou a vila de São Vicente,
em janeiro de 1532, e nessa região implantou a primeira unidade
produtora de açúcar da colônia, o Engenho do Senhor Governador ou São
Jorge dos Erasmos (1534). Não muito longe de São Vicente foram fundadas,
naquele mesmo período, duas outras vilas: Santo André da Borda do
Campo, por João Ramalho, e Santos, por Brás Cubas.
As estruturas de poder no início da colonização
Com o planejamento das estruturas
político-administrativas da colônia, a Coroa portuguesa buscava
viabilizar o processo de ocupação do território e criar condições para o
desenvolvimento de atividades econômicas rentáveis, de acordo com o
modelo de mercantilismo europeu. Para tanto, resolveu adotar na colônia
os padrões administrativos da metrópole, aliados à experiência
portuguesa nas ilhas do Atlântico.
Em 1532, o rei dom João III decidiu
aplicar na colônia da América uma divisão administrativa que havia dado
bons resultados nos Açores e na ilha da Madeira: o sistema de capitanias hereditárias.
Quase duas décadas depois, criou-se um poder central, o govemo-geral, e, no âmbito local, foram instituídas as câmaras municipais, semelhantes às já existentes em Portugal.
As capitanias hereditárias
As
capitanias hereditárias eram enormes faixas de terra que se limitavam a
leste com o oceano Atlântico e a oeste com a linha de Tordesilhas.
Essas terras foram doadas pelo rei a militares, burocratas e
comerciantes portugueses, que receberam o título de “capitães
donatários”.
Para formalizar seus direitos e deveres, o governo português lançou mão de dois documentos: a Carta de Doação e o Foral.
De acordo com a Carta de Doação, o capitão donatário detinha a posse da capitania, mas não a sua propriedade.
Dessa forma, não podia nem vendê-la
nem dividi-la. Já o Foral dava-lhe amplos poderes: ele podia, entre
outras coisas, fundar vilas, conceder terras (as sesmarias) e arrecadar
impostos. Ele também podia receber tributos sobre a produção das
salinas, as moendas de água e os engenhos, além de monopolizar a
navegação fluvial.
Cabia-lhe, ainda, a aplicação das leis em suas possessões, bem como a defesa militar da capitania.
Com as capitanias hereditárias foi criado um sistema
político-administrativo descentralizado, ou seja, não havia um governo
central. Todos os donatários reportavam-se diretamente ao rei. Os
donatários eram os responsáveis pelos custos do processo de implantação e
do funcionamento das capitanias. Dessa forma, a Coroa portuguesa
transferia para particulares o ônus da colonização. Para si, o rei
reservou o monopólio das drogas-do-sertão, que eram as especiarias da
floresta Amazônica (castanha-do-pará, cravo, guaraná, canela etc.), e
uma parte dos impostos arrecadados.
O governo-geral
As capitanias não desapareceram
imediatamente. Pouco a pouco, foram retomando ao domínio da Coroa
portuguesa, por confisco ou por meio do pagamento de indenizações aos
donatários. Com isso, perderam seu caráter privado, passando à esfera
pública. Entretanto, mantiveram a função de unidade administrativa até o
início do século XIX, quando transformaram-se em províncias.
A transferência das capitanias para o
domínio da Coroa só foi concluída no período entre 1752 e 1754, sob as
ordens do marquês de Pombal, espécie de primeiro-ministro de dom José I.
Contudo, em 1548 o fracasso desse sistema já havia levado o governo de
Portugal a criar um órgão central para administrar a colônia: o
govemo-geral.
No ano seguinte, chegou à Bahia Tomé
de Sousa, o primeiro govemador-geral. Ele veio acompanhado de
aproximadamente mil pessoas, entre elas um grupo de padres jesuítas
chefiado por Manuel da Nóbrega, além de funcionários da administração,
militares, artesãos e degredados.
O governo-geral tornou-se o centro
político da administração portuguesa na América. Sua legitimidade foi
estabelecida pelo Regimento de Tomé de Sousa, de 1548, que determinava
as funções administrativas, judiciais, militares e tributárias do
governador-geral. Para assessorá-lo, havia três altos funcionários: o
ouvidor-mor, responsável pela justiça; o provedor-mor, encarregado da
tributação; e o capitão-mor, responsável pela defesa.
O cargo de govemador-geral subsistiu
até o século XVIII, quando foi substituído pelo de vice-rei. Os três
primeiros govemadores-gerais foram:
• Tomé de Sousa (1549-1553):
durante seu governo foi fundada a cidade de São Salvador, que se tomou
sede do govemo-geral e capital da colônia. A Bahia passou a ser a
Capitania Real do Brasil. Foram estabelecidos o primeiro bispado e o
primeiro colégio da colônia. Na imagem ao lado, a representação de Tomé de Sousa desembarcando na Terra de Santa Cruz, de autor anônimo.
• Duarte da Costa (1553-1558):
enfrentou grande instabilidade política, causada, entre outros fatores,
pela invasão francesa do Rio de Janeiro (1555); entrou em atrito com o
bispo do Brasil, Pero Fernandes Sardinha, que criticava o comportamento e
a violência de seu filho, dom Álvaro da Costa. Um dos marcos de seu
governo foi a fundação do Colégio de São Paulo, em 25 de janeiro de
1554. O colégio, fundado pelos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de
Anchieta, deu origem à cidade de São Paulo.
• Mem de Sá (1558-1572):
fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565; juntamente
com seu sobrinho, Estácio de Sá, expulsou os franceses do Rio de
Janeiro. É considerado o melhor govemador-geral do século XVI.
O poder local: as câmaras municipais
A partir de cerca de 1550, a
administração das cidades e vilas ficou nas mãos das câmaras municipais.
Esses órgãos administrativos eram formados por três ou quatro
vereadores, dois juízes ordinários, um procurador, um escrivão e um
tesoureiro, eleitos pelos chamados "homens bons”. Além disso, contavam
com alguns funcionários nomeados, conhecidos como "oficiais da Câmara”.
Cabia aos membros da Câmara elaborar as leis e fiscalizar o seu
cumprimento, assim como nomear juízes, arrecadar impostos e cuidar do
patrimônio público (estradas, ruas, pontes etc.), do abastecimento e da
regulamentação das profissões e do comércio.
As câmaras municipais representavam
os interesses dos proprietários locais. Esse poder, delegado pelos
senhores de engenho aos vereadores (membros eleitos da Câmara), às vezes
entrava em conflito com o poder central, representado pelo
govemador-geral. Exemplo disso foi a Câmara de Olinda, na capitania de
Pernambuco, que em 1710 chegou a comandar uma luta armada contra as
tropas do governo porque se opunha à elevação do Recife à condição de
vila.
A partir de 1642, com a criação do
Conselho Ultramarino, que detinha forte controle político-administrativo
sobre a colônia, as câmaras municipais foram pouco a pouco perdendo seu
poder.
Mudanças na organização administrativa colonial
A organização administrativa da
colônia passou por várias mudanças entre os séculos XVI e XVIII. Em 1548
foi dado o nome de Estado do Brasil pelo governo português. Os limites
territoriais do Brasil atual não eram, nem de perto, os do período
colonial. Durante anos, a Coroa ficou apenas na exploração das faixas
litorâneas e aos poucos foi ampliando as terra para o oeste. Em 1572
foram estabelecidos dois govemos-gerais: um ao norte, com capital em
Salvador, e outro ao sul, com sede no Rio de Janeiro. Seis anos depois,
os governos foram reunificados, com a capital tendo permanecido em
Salvador.
Em 1621, uma nova divisão
administrativa criou o Estado do Brasil, com sede em Salvador (e a
partir de 1763 no Rio de Janeiro), e o Estado do Maranhão, com capital
em São Luís (mais tarde, Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em
Belém). Em 1641, houve uma reorganização administrativa e a capital foi
transferida para Salvador. Em 1774, a colônia voltou a ser reunificada
administrativamente.
O papel da Igreja na administração colonial
A Igreja católica foi a grande
parceira da Coroa portuguesa na tarefa de administrar a colônia. Para a
instituição, os principais objetivos da conquista e da colonização das
novas terras eram difundir a fé cristã em sua versão católica apostólica
romana, bem como promover a catequese dos índios e administrar a vida
espiritual dos colonos segundo os preceitos estabelecidos pela Santa Sé.
Além de cristianizar os indígenas, buscava evitar o desregramento dos
costumes entre os colonos, combater sua tendência à poligamia com as
índias e educar os filhos desses colonos dentro dos preceitos religiosos
da Igreja católica.
Para isso, os primeiros religiosos a
chegar trataram de construir igrejas, capelas e escolas, criar paróquias
e dioceses. Aos poucos ia surgindo uma estrutura material e
administrativa de enorme interesse para o governo português e para a
Santa Sé, que estavam preocupados em manter um rígido controle sobre as
atividades e a vida religiosa da colônia.
Por: Paulo Magno da Costa Torres